SOJA COLOCA A MASCULINIDADE EM XEQUE
Despretenciosamente,
a soja se infiltrou na dieta como se fosse a fonte mais perfeita de proteína.
Mas talvez exista um lado negro escondido, um que tem o poder de minar as
características que fazem de você um homem.
James Price, um oficial
aposentado do exército americano, virou objeto de um estudo sobre algo que
jamais imaginou viver. Durante meses teve sua masculinidade minada por peitos
inchados, perda de pelos e redução da libido para depois descobrir que todo
esse calvário estava ligado ao consumo excessivo de soja. Ao ler os detalhes,
você vai entender por que Price aceitou ser protagonista de um artigo
científico após enfrentar um problema tão constrangedor. Para ele era mais que
um problemas: era a chance de evitar que outros homens passassem por isso
também.
Notar mamas inchadas seria
difícil para qualquer homem. No caso dele foi ainda pior devido ao contraste
com o resto do corpo magro e definido. Mas não foi o único sintomas. “Meu pênis
ficou tão flácido que parecia ter encolhido. Até minhas emoções mudaram.”
Os três primeiros médicos
consultados por Price o diagnosticaram com ginecomastia, um aumento anormal das
glândulas mamárias masculinas. Exames mais tarde mostraram que os níveis de
estrógeno no sangue dele eram oito vezes mais altos do que o limite aceitável
para homens, alto demais até para mulheres. Os médicos ficaram perdidos diante
desse quadro. Deprimido e com dor, Price procurou outro especialista. Marcou
uma consulta com o tenente-coronel Jack E. Lewi, chefe de endocrinologia do
Centro Médico Militar de Santo Antônio (EUA). No primeiro encontro nem médico
nem paciente tiveram a menor de quão complexo o mistério seria.
Lewi inicialmente procurou
por fatores que pudessem de sencadear a ginecomastia, como alcoolismo. Até
suspeitou de um tumor que produz estrógeno. Após vários exames, o médico ainda não
sabia o que deixava os hormônios do paciente fora de controle.
Embora Lewi tivesse
perguntado a Price sobre seus hábitos e estilo de vida, decidiu detalhar cada
refeição. E logo viu que leite de soja estava sempre presente. Como Price
desenvolveu intolerância à lactose anos antes, tomava um suplemento alimentar,
que fornecia uma dose grande de minerais, vitaminas, entre outros nutrientes. O
mais surpreendente foi quando revelou que consumia 3 litros de leite por dia.
Foi aí que tudo mudou.
OS
SINTOMAS
Price sempre teve uma vida
ativa e uma alimentação saudável. Sua forma física era destaque até mesmo na
corporação. Com a morte da mulher, o cenário mudou. Ele ficou muito mais
emotivo e apresentou oscilações de humor e redução da libido. Quando começou a namorar
novamente, era como se o aspecto sexual tivesse evaporado. Interesse zero!
A ginecomastia em si se
tornou algo bastante humilhante para Price. Ele parou de usar camisetas,
temendo que as pessoas notassem a saliência similar aos seios de uma menina na
puberdade. Mas durante o ano seguinte, em que se submeteu a vários exames para
tentar desvendar o mistério, nunca ocorreu a Price que o leite de soja pudesse
ser a causa.
Quando Lewi recomendou
suspender a bebida, ele obedeceu. E, durante os meses seguintes, exames de
sangue revelaram que os níveis de estrógeno em Price estavam voltando ao
normal. Melhor ainda, a sensibilidade dos mamilos estava cedendo. Seu médico,
que pesquisou a literatura científica enquanto tentava solucionar o caso, não
encontrou nenhuma evidência relacionando soja à ginecomastia.
Veja algumas descobertas
recentes sobre os estágios de vida dos homens.
Bebês:
Alimentados com grão
No Brasil, a onda da soja
também chegou a crianças e bebês. Por considerar o grão um alimento saudável, muitas
mães acabam oferecendo-o aos filhos. No entanto, os pediatras não recomendam o
consumo indiscriminadamente.
Paul Cooke, biólogo
reprodutivo da Universidade de lIIinois (EUA), estudou ratos criados com uma
quantidade de genisteína suficiente para deixar os níveis sanguíneos
comparáveis aos de bebês humanos que tomam leite de soja. Ele observou um
encolhimento no timo, glândula importante para o sistema imunológico. É difícil
afirmar se o mesmo efeito ocorre nos bebês humanos, mas um estudo publicado no Jaurnal
of the American Medical Assaciatian (EUA), em 2001, pesquisou mais
de 800 adultos, entre 20 e 34 anos, que receberam leite de soja ou de vaca na
infância. Uma das diferenças que surgiram foi que o grupo alimentado com leite
de soja usou mais remédios para asma e alergia na vida adulta. Será que isso é
apenas uma coincidência ou será que pode indicar uma deficiência na função
imunológica?
Ninguém sabe responder à
questão. Nos Estados Unidos, há mais de 20 milhões de pessoas que consumiram
leite de soja na infância. E há inúmeros centros de pesquisa no país estudando
grandes parcelas da população. No resto do mundo, o assunto também levanta
polêmica. Em 2005, o ministério da saúde de Israel recomendou reduzir o consumo
de produtos à base de soja por crianças e, se possível, evitar completamente
por recém-nascidos. Ao fazer tal alerta, Israel se juntou à França, à Nova
Zelândia e à Austrália para oficialmente adotar uma postura preventiva.
DA
ADOLESCÊNCIA À JUVENTUDE: ALIMENTO FALSO PARA OS MÚSCULOS
A maioria das pessoas
reconhece a importância da proteína no desenvolvimento e na recuperação
muscular. E pesquisas já mostraram que a hora que você ingere a proteína é tão
importante quanto a qualidade do alimento – fato que criou um mercado de
suplementos de proteína fáceis de consumir. “É difícil comer um bife na
academia”, afirma William Kraemer, pesquisador de treino de força da
Universidade de Connecticut (EUA).
Suplementos de proteína
permitem que um atleta misture 1 colher de pó no suco e beba a mistura a
qualquer hora. Cada marca alardeia suas melhores qualidades em relação ao
desenvolvimento muscular. As fontes de proteína mais usadas em todos eles são
soja, whey e caseína. A questão é: será que o preço mais acessível da soja gera
algum custo para o desenvolvimento muscular?
Em um estudo de 2005
publicado no Journal of Nutrition (EUA), pesquisadores que
compararam a soja à caseína concluíram que “o valor biológico da proteína da
soja deve ser considerado inferior ao da proteína da caseína”. Entre
outras desvantagens, os cientistas descobriram que uma porção
significativamente maior de soja é reduzida ao produto residual uréia. Mais,
ela leva a uma menor síntese de proteína no organismo.
“A proteína como a whey é
muito mais saudável que a soja”, afirma Kraemer. Há também preocupações de que
a soja possa reduzir a produção de testosterona nos homens e aumentar a
produção de estradiol, normalmente associado à produção de hormônio feminino.
Em relação aos benefícios de força, no entanto, mais pesquisas são necessárias
antes de definir diretrizes.
DOS 20
AOS 40: INTIMIDADES EM PERIGO
Em um estudo publicado no
periódico Human Reproduction, Jorge E. Chavarro e seus
colegas descobriram uma forte associação entre o consumo de alimentos de soja
e a redução na contagem de espermatozóides nos homens, especialmente os obesos
e acima do peso. Noventa e nove homens relataram ingerir 15 tipos diferentes de
alimentos à base de soja, em seguida fizeram o exame para contar os
espermatozóides. Aqueles que consumiam mais soja por dia tiveram, em média, 32%
menos espermatozóides por mililitro de sêmen em comparação aos homens que não
tinham soja na dieta.
Chavarro alerta que isso não
prova causa e efeito e que ainda é muito cedo para aconselhar aos homens a
evitar alimentos à base de soja na esperança de aumentar a fertilidade.
“Claramente, essa história está apenas começando”, diz. “Mais estudos ainda
precisam ser realizados.” De qualquer forma, o sinal de alerta deve ficar
ligado desde já. Segundo o urologista Mauro Bibancos, especialista em
reprodução assistida do Grupo Huntington, se ficar provado que a soja faz mal
para os espermatózoides, ela também será maléfica para o corpo em geral.
Se a fertilidade já causa
preocupações, imagina a impotência? Dois outros trabalhos recentes revelaram
que pelo menos um componente da soja prejudica a função erétil em animais e
pode fazer o mesmo nos homens.
Os estudos, publicados nos
periódicos Journal of Andrology (EUA) e Urology respectivamente, analisaram o
efeito da daidzeína na função sexual de ratos machos. Doses moderadas do
fitoestrógeno consumidas na juventude ou na vida adulta afetaram bastante a
qualidade de suas ereções. Entre outras mudanças, os homens que foram expostos
à daidzeína produziram menos testosterona, tinham ereções menos poderosas e
passaram por mudanças bioquímicas no tecido peniano que deixaram esse tecido
menos elástico e menos capaz de se encher de sangue.
Embora saibam que os resultados
nos ratos nem sempre equivalem diretamente aos resultados em humanos, os
autores do primeiro estudo sugerem que há razão para acreditar que isso vá
acontecer. Eles citam uma incidência 10% maior de disfunção erétil em chineses,
que consumiam grandes quantidades de soja, em comparação a americanos, que
evitavam o alimento.
Yufeng Huang, um dos
coautores dos dois trabalhos, diz que a dose “moderada” usada nos estudos
com animais leva a aproximadamente o mesmo nível de daidzeína no sangue dos
homens que comem soja todos os dias, hábito comum na Ásia. Ele acredita que a
soja representa um fator de risco novo e previamente desprezado para disfunção
erétil.
A PARTIR DOS 50: FUGA DE
CÉREBROS
No ano passado, Eef
Hogervorst, da Universidade Loughborough (Inglaterra), e outros pesquisadores
publicaram um estudo sobre produtos de soja e o risco de demência. Os
pesquisadores focaram em pessoas mais velhas da Indonésia, membros de uma
cultura na qual o tofu é um alimento importante na dieta há tempos. Hogervorst
afirma que sua equipe começou o trabalho confiante de que encontraria um
benefício nos fitoestrógenos do tofu. “Quase tudo que nós aprendemos sobre
cultura animal e celular indicava que substâncias similares ao estrógeno
protegeriam o cérebro”, diz.
Eles, no entanto, descobriram
exatamente o oposto: os participantes com mais de 68 anos que comiam grandes
quantidades de tofu regularmente tiveram o risco de demência e problemas de
memória dobrado em comparação àqueles que comiam moderadamente. “Estamos
formando umnovo consenso agora: hormônios e derivados não são muito bons para
pessoas acima de 65”, diz o pesquisador.
“Agora acho que a tendência é termos
cada vez mais pesquisas
sobre esse assunto. E, no final,vamos
encontrar um equilíbrio”, acredita o urologista Renato Fraietta, da Unifesp
(SP). “A soja faz bem? Faz, quando sem exagero. É a mesma história do vinho.
Uma taça de vinho tinto faz bem para o coração. Mas uma garrafa, não.”
O relatório feito por Jack E.
Lewi sobre o caso de James Price foi publicado na edição de maio e junho de
2008 do Endocrine Practice (EUA), um periódico lido pelos
mais influentes endocrinologistas. Graças a isso, os médicos agora contam com
mais um documento na hora de avaliar a ginecomastia.
Mesmo assim, Lewi acredita
que produtos de soja consumidos com moderação ainda podem ser uma parte
saudável da dieta de um homem. “O problema”, diz, “é quando uma coisa como a
soja é tida como essa maravilhosa panacéia para a saúde, e as pessoas acabam
exagerando na dose”.
Uma questão final no caso de
Price, no entanto, mostra a dificuldade de evitar a soja. Alguns meses depois
que os níveis de estrógeno voltaram à normalidade, eles subiram novamente. E os
efeitos colaterais ressurgiram: dor e inchaço nas mamas, falta de libido,
ereções pobres. Ao pesquisar o que estaria acontecendo, Price descobriu que
estava tomando um leite que não era de soja, mas que continha soja na fórmula.
Ele jogou tudo no lixo e a vida voltou ao normal. Infelizmente, as mamas
continuam inchadas, uma consequência das mudanças no tecido fibriótico que
ocorrem com a ginecomastia de longo prazo. Price ainda se incomoda com a
situação, mas não está disposto a remover esse desconforto cirurgicamente. Há
muitos riscos, diz – sangramento, infecção, problemas com anestesia – para
justificar entrar na faca a essa altura da vida.
Embora Price reconheça que
seu corpo talvez tenha uma sensibilidade acima da média para os fitoestrógenos
da soja, ele sugere a outros homens procurar o médico diante do primeiro sinal
de dor ou inchaço. Sintomas descobertos – e tratados – no início são mais
facilmente revertidos. Mais: sempre leia os rótulos dos alimentos que for
consumir. As experiências mostraram que eles nem sempre são o que imaginamos. A
proteína de soja hoje é um ingrediente rentável, presente em todos os lugares e
muitas vezes escondido sob rótulos um tanto confusos.
A
ASCENSÃO DA SOJA
Nos últimos anos, alimentos
saudáveis e à base de soja se tornaram inextricavelmente associados. Muitos
homens, sem saber exatamente a razão, confirmaram em pesquisas que o grão é
benéfico à saúde e, portanto, deve ser incluído na dieta.
A soja também ganhou destaque
na dieta vegetariana, pois fornece proteína e não provoca a indigestão moral da
carne. Mais: na última década, vários trabalhos sugeriram que comer soja pode
aumentar a expectativa de vida. Em 1999, a proteína de soja recebeu uma
declaração poderosa do FDA, órgão governamental americano que controla os
alimentos: Dietas com 25 gramas da proteína do grão – um litro de leite de soja
– por dia podem reduzir o risco de doenças do coração. Adicione a isso o número
de estudos que sugere que a proteína de soja protege contra o câncer de
próstata e, de repente, o grão parece um remédio poderoso.
Como todos os remédios,
infelizmente há efeitos colaterais. E, quando você consome muita proteína de
soja, você entra em uma zona de risco, pois ingere duas drogas naturais:
genisteína e daidzeína. Ambas agem de forma tão parecida com o estrógeno que
são conhecidas como fitoestrógenos (substâncias semelhantes aos estrógenos
produzidas por plantas). Quando homens consomem essas substâncias em grandes
quantidades, eles podem viver pesadelos como aqueles vividos por James Price.
“Os fitoestrógenos têm o efeito do hormônio feminino e podem provocar
alterações hormonais e até aumento de mama nos homens”, confirma o urologista
Renato Fraietta, diretor do Departamento de Andrologia da Sociedade Brasileira
de Urologia e médico do Setor de Reprodução Humana da Unifesp (SP).
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